segunda-feira, 28 de junho de 2004

DEAD COMBO - Vol. I (Tansformadores)



Imaginemos que o realizador italiano Sergio Leone partia para Portugal pronto a rodar o seu próximo western spaghetti no Bairro Alto. Uma vez chegado a Lisboa, “(…) a cidade do campo, das chaminés e das cúpulas brancas, cenários de um pasado perdido (…)”, procura para compor a banda sonora do seu filme alguém que tenha verdadeira alma de lisboeta. Aí encontra, numa esquina, “(…) dois vadios, um “cavalo de fogo” magro de 66, solitário de cartola e face vincada, o outro alto de 70, vindo de um meio escuro do jazz, signo cão (…)”.
Este duo composto por Tó Trips (ex Lulu Blind) e Pedro Gonçalves, que dá pelo nome de Dead Combo, são a opção certa na hora certa. Desta vez, Ennio Morricone terá de arumar a batuta.
Em 17 “canções” os Dead Combo misturam o fado e o wester-vadio, criando emoções singulares. Trazem do fado as guitarras choradas, mas carregadas de uma electricidade arrepiante. O cheiro das vastas planicies, povodas de cowboys, sente-se nalguns temas que nos fazem lembrar os Calexico, como seja o caso de “Eléctrica Cadente”.
Assim se prova que afinal o fado e o western, têm muito mais em comum do que se julgaria à partida. Cowboys e fadistas são gente com alma sofrida. Carregam no rosto estórias de faca e alguidar. As mãos calejadas traçam linhas de uma vida que já não lhes pertence. Passeiam-se ambos pela “Rua das Chagas”, onde na esquina se encontra um “Cacto” abandonado à sorte.
Musicalmente estes são dois tipos de som sofridos. São músicas que se arrastam. Canções que maioria das vezes transportam mensagens de dor.
Aqui se misturam sentimentos: “(…) o Tejo, os amantes, anjos abandonados nas encruzilhadas do destino, flores com cores trocadas, santos, câmaras ardentes, guitarras despidas, cuspidas e deitadas à rua, contrabaixos em fogo, cartolas, galinhas à solta e coisas que rolam na rua. (…)”. Tudo, cenários que ajudam a pintar esta tela cinematográfica com cores surrealistas.
São “canções” sem o serem. Estamos perante um conjunto de instrumentais polvilhado de algum experimentalismo, que pode em muitos casos dificultar a primeira audição. Mas quando estas músicas nos conseguem finalmente penetrar as veias, a nossa dor de prazer é enorme. E nós ficamos viciados…
Aqui se reinventou o fado. Aqui se virou o western do avesso. São tiros dados por entre sons de uma guitarra. É como se a qualquer momento Clint Eastwood entrasse numa casa de fado e do cimo das escadas a Severa lhe apontasse a porta do quarto.

Nuno Ávila

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